Igreja Presbiteriana de Natal, século XXI.
Igreja Presbiteriana de Natal, século XX.



Todo historiador profissional leu ou devia ter lido a frase que dá título a esse texto. Pode ser, é compreensível, que ele não se lembre de onde tirei a citação. Não dá para memorizar tudo que lemos. Marc Bloch disse isso em A apologia da História ou o ofício do historiador.* 
Agora me dirijo a você que trabalha com outras coisas. O francês citado acima e esse livro que ele deixou inacabado mas que foi publicado postumamente mudaram, no início do século passado, a forma como entendemos a matéria escolar chamada História. Quando estava na universidade, foi uma surpresa encontrar algo tão especial sobre minha fé num livro indicado por professores não cristãos, inclusive agnósticos e ateus. 
Portanto, todo crente é uma espécie de historiador, já que a Bíblia é um livro histórico e as liturgias cristãs rememoram eventos do passado. Segundo Bloch, as outras religiões, diferentemente do Cristianismo, datam a maioria dos seus eventos sagrados em temporalidades inexistentes. Ademais, a vida cristã é pensada como uma peregrinação na História, no tempo, no século. Um ateu entendeu o Cristianismo melhor do que muitos cristãos contemporâneos. 
Muito crente ainda não percebeu que a nossa fé é coisa de historiador. Isso acontece, primeiro, pelo desprezo pela História da Igreja. Muitos limitam o povo de Deus ao endereço onde eles e seus irmãos mais próximos se reúnem para prestar culto. Não lembram que os cristãos crêem na Santa Igreja Espalhada no Tempo e no Espaço (católica, universal, internacional, mundial, global, glocal, qualquer termo gera confusão!), crêem na Comunhão dos Santos, tanto faz se é o irmão no banco ao lado ou se é um africano do século V, cujo nome é, para citar um mais famoso, Agostinho de Hipona. 
Outra forma de não entender a importância da História no Cristianismo é quando os crentes olham apenas para a Eternidade e esquecem suas responsabilidades para com a Criação (tempo e espaço), responsabilidade que decorre do fato de que somos seres criados para cuidar do Jardim e somos, nós, os cristãos, seres redimidos em Cristo, Ele que é primícias da Nova Criação e modelo para nós (não me pergunte, leitor curioso, como serão questões sobre tempo e espaço na Eternidade, eu simplesmente não sei). 
Existe uma terceira forma de não perceber que o Cristianismo é uma religião de historiador: não atentar para a metanarrativa, a grande história, que perpassa as Escrituras. Muito crente, descendente de Abraão por ser da fé que teve o patriarca, por estar em Cristo (Rm 4.16; Gl 3.29), ainda não entendeu que cremos no Deus que governa a História e que trabalha nela para cumprir sua promessa pactual para com seus eleitos: “Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo” (Gn 17.7-8; Ex 6.15; Jr 24.7, 30.22, 32.38, 31.33; Ez 11.20, 37.27; Os 2.23; Zc 13.9; Ap 21.3,7; e muitas variações, tais como Êx 19.5-6; Dt 7.6, 14.2; Sl 33.12; 1Pe 2.9-10; Jo 20.17; etc.). 
Segundo Palmer Robertson, a repetição da promessa de que o SENHOR é o nosso Deus e de que somos o seu povo demonstra a unidade da aliança de Deus conosco, o “princípio Emanuel” do Pacto da Redenção, cuja essência é “Deus está conosco”.** Essa promessa da Santa Presença aparece nos pactos abraâmico, mosaico, davídico e na Nova Aliança. Como afirma Clowney, “a Bíblia não distribui cargas de doutrina em contêineres. Em vez disso, o novo surge a partir do velho, como uma flor que se abre em botão”.*** 
“Deus conosco” teve cumprimentos parciais no Tabernáculo e no Templo. Teve seu cumprimento perfeito iniciado em Cristo, pois 1) Ele, encarnado, era Deus tabernaculando conosco (Jo 1.14); 2) porque Ele é a pedra angular da Igreja, santuário dedicado ao Senhor, no qual Deus habita no Espírito (Ef 2.22); e 3) devido ao fato de que Jesus prometeu ser sempre Emanuel, pois garantiu estar conosco todos os dias e todo tempo até que a História acabe (Mt 28.20). 
Eu disse iniciado no parágrafo anterior porque “Deus está conosco” será consumado na eternidade, quando a metanarrativa, período entre a Queda e a Consumação, acabar. Eis a promessa: “Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. […] O vencedor herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus, e ele me será filho” (Ap 21.3,4 e 7). 
Nesse final de semana, estamos comemorando os 122 anos da Igreja Presbiteriana de Natal. É evidente que Deus está conosco ao longo desse tempo. Mas meu convite, hoje, é para que percebamos que essa importante história é parte de algo bem maior. O amor e cuidado de Deus para com seu povo, na História, possui diferentes níveis: pessoal, familiar, comunitário, institucional e aquele que se estende por tempo e espaço (nível que esse texto tratou). Meu convite é para que cada membro da IPN perceba que sua história tem bem mais do que 122 anos. Amado membro da IPN, quando Deus, em Gn 15.5, disse a Abrão que este teria uma prole incontável como as estrelas… glória a Deus por isso… Ele também estava pensando em você. Sabe o que é ainda o melhor? Quando a História acabar, finalmente começará a Grande História, “que ninguém na terra jamais leu: a história que continua eternamente”.**** 
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* BLOCH, Marc. A apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. p. 42. 
** ROBERTSON. O. Palmer. O Cristo dos Pactos. São Paulo: Cultura Cristã, 2011. 
*** CLOWNEY, Edmund. A Igreja. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. p. 27.

**** LEWIS, C. S. As Crônicas de Nárnia. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.737. 

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