O LIVRO DE JÓ – Parte I

O LIVRO DE JÓ – Parte I

O livro de Jó é uma poderosa resposta de Deus para grandes questões da vida.

Costuma-se entender livros sapienciais como livros que oferecem profundos ensinamentos sobre Deus e virtudes humanas, ensinamentos genéricos para a vida e respostas para os dilemas que amofinam o Homem. O livro de Jó é um desses, faz parte dos livros sapienciais do Antigo Testamento.

A literatura sapiencial floresceu em todo o Antigo Oriente. O Egito produziu escritos de sabedoria. Na Mesopotâmia, desde a época sumérica, entre 4500 a.C. e 1900 a.C, foram compostos provérbios, fábulas e poemas sobre o sofrimento que se assemelham ao livro de Jó. Esses tipos de escritos dos povos contemporâneos ao povo de Deus foram conhecidos pelos israelitas. O mais belo elogio que a Bíblia faz da sabedoria de Salomão é que ela ultrapassa a dos filhos do Oriente e a do Egito (1Rs 4:29-34). Todavia, a verdadeira sabedoria é, com efeito, o temor de Deus, e o temor de Deus é a piedade. Se a sabedoria oriental é humanismo, poder-se-ia dizer que a sabedoria israelita é um “humanismo devoto”.

A obra-prima da literatura do movimento sapiencial é o livro de Jó. Esse livro é do gênero literário poesia, mais especificamente estruturado em prosa-poesia-prosa, nessa ordem. Ele está exatamente organizado assim: Uma prosa nos primeiros capítulos; uma longa poesia no meio; mais uma prosa no último capítulo. Assim, o prólogo (Jó 1.1 – 2.13) e o epílogo (Jó 42.7 – 17) estão em prosa; o texto intermediário em poesia (Jó 3.1 – 42.6). Em relação ao autor do livro, deve ser observada primeiramente a questão da autoria simples e da autoria múltipla do livro. Alguns estudiosos mais alinhados ao método histórico-crítico defendem a autoria múltipla, ou seja, mais de um autor, alegando-se uma desconexão estrutural entre o prólogo e o epílogo e entre outros diálogos. Mas esse tipo de crítica, que é mais crítica do que histórica, carece de comprovação robusta, ficando apenas no âmbito especulatório. A autoria já foi atribuída a Moisés, Eliú, Salomão, Ezequias, Isaías, Esdras, alguém depois do exílio babilônico e até mesmo ao próprio Jó. Assim como o livro de Hebreus, o autor do livro de Jó não se identifica, ou por displicência devido às circunstâncias do momento ou de propósito. O que sabemos até hoje é que o livro é inspirado e, sobretudo, maximamente canônico.

Talvez um dos fatos mais importantes a ser destacado é o contexto histórico-cultural do livro. Os acontecimentos do livro são datados no período patriarcal, mais ou menos dois milênios antes do nascimento de Cristo, colocando assim Jó como contemporâneo de Abraão, Isaque e Jacó. Alguns dados no texto colocam Jó nesse período: por exemplo, o sacerdócio como instituição ainda não existia, visto que Jó era o sacerdote da sua própria casa (Jó 1.5); as filhas de Jó eram coerdeiras juntamente com seus irmãos (Jó 42.15), o que não era permitido pela lei mosaica (Nm 27.8); os antigos nomes divinos El, Eloah, Shaddai são usados na maior parte do livro. Além disso, as posses de Jó se parecem muito com as posses dos patriarcas e seu tempo de vida é comparável ao deles, posto que Deus abreviou os anos de vida do Homem após o período patriarcal.

Na contramão da Teologia da Retribuição, Jó é um poderoso discurso contra a ideia de que o justo não sofre nem passa por revezes. O livro ecoa aquilo que, tempos depois, o salmista verbalizaria no Salmo 73: “Por que os justos sofrem e os ímpios prosperam?”.

A soberania de Deus é exposta no livro. A condição humana é escancarada, mostrando que mesmo o Senhor em silêncio continuava amando Jó. Deus permitiu Satanás tocar em Jó não para provar apenas Sua soberania, mas principalmente para mostrar que um justo pode adorá-lo e amá-lo sem interesse por trás. A tese de Satanás diante de Deus foi de que um justo só é justo por ter bençãos de Deus. Segundo Satanás, Jó só era um homem justo e reto por causa dos bens materiais dados por Deus. Deus, todavia, prova a tese contrária, Jó era o que era por ter um coração temente ao Senhor e por amá-lo incondicionalmente, sem nenhum tipo de segundas intenções. Jó antecipa-se em muitos séculos àquilo que os profetas pregariam. Assim como Jó, os profetas viam Deus não apenas como ethos, isto é, preceitos ético-morais, mas, sobretudo, pathos, isto é, amor, coração e afeto. Deus não era apenas razão, mas também emoção.

Mas, afinal, por que saber sobre o autor, gênero literário, contexto cultural, religioso e estrutural do livro de Jó? Essas informações preambulares são importantes para a leitura de qualquer livro da Bíblia, seja do Velho ou do Novo Testamento. Sem essas informações não conseguiríamos, por exemplo, compreender teologicamente e antropologicamente, dentro do tempo e do espaço, as razões e as motivações de uma epístola do Novo Testamento. Vimos que o livro de Jó apresenta princípios teológicos que transcendem o espaço e o tempo. Esses princípios são para todas as épocas e culturas. O que é demonstrado é que o conhecimento de Deus é o anseio de todo ser humano.

Soli Deo Gloria! Glória Somente a Deus!

VOCABULÁRIO:

-Patriarcal: Relativo ao patriarcado, forma de organização social em que a pessoa mais velha tem uma grande família, sendo honrada e respeitada.

-Sapiencial: Aquilo que carrega ou demonstra sabedoria.

-Prosa: Discurso direto; texto organizado em parágrafos.

-Prólogo: A primeira parte de um texto.

-Epílogo: O desfecho de um texto.

-Maximamente: Advérbio de modo; de maneira máxima, grandiosa.

-Preambular: Escrever o que antecede o início de um texto; prefaciar.

BIBLIOGRAFIA:

ANDERSEN, Francis I. Jó: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2008.

ANDRADE, Claudionor. Jó: o problema do sofrimento do justo e o seu propósito. Rio de Janeiro: CPAD, 2006.

KEENER, Craig S. A Hermenêutica do Espírito: lendo as Escrituras à luz do Pentecostes. São Paulo: Vida Nova, 2018.

WALTKE, Bruce K. Teologia do Antigo Testamento: uma abordagem exegética, canônica e temática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

MACARTHUR, John. Comentário Bíblico: Jó. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2019.

VANHOOZER, Kevin J. O Drama da Doutrina: uma abordagem canônico-linguística da teologia cristã. São Paulo: Vida Nova, 2016.

BÍBLIA – Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

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