O SENHOR É MEU PASTOR E MEU ANFITRIÃO – Parte 2 (por Rev. Flávio Américo)

O SENHOR É MEU PASTOR E MEU ANFITRIÃO – Parte 2 (por Rev. Flávio Américo)

No texto anterior dessa série de dois textos, vimos, de forma breve, como a rica figura bíblica do “pastor” aparece nas Escrituras. Não foi feita uma exegese do Salmo 23, pretendeu-se, tão somente, explorar um pouco a vasta variedade de significados a que se refere a ideia do SENHOR como o meu e o seu, irmão leitor, pastor cheio de cuidado pessoal e amoroso. Essa é a imagem construída liricamente nos quatro primeiros versos do poema davídico citado.

Vimos também como o Novo Testamento atualiza esse cuidado pastoral na pessoa de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, o Bom Pastor-Cordeiro que deu a vida por suas ovelhas e as apascentará para sempre.
O texto que você está lendo agora tem a intenção de tratar da outra figura usada por Davi para expressar o zelo de YHWH pelos crentes: Deus como um anfitrião que nos recebe em sua casa e nos fornece abrigo, proteção, restauração (o azeite sobre a cabeça) e farto alimento (Sl 23.5-6).

A hospitalidade era uma característica importante da cultura tanto do AT quanto do NT. Abraão recebeu o SENHOR (uma teofania) e dois anjos com um banquete, inclusive dando-lhes carne fresca, algo muito além da hospitalidade comum (Gn 18.1-15, ver também Hb 13.2). Ló, o velho homem de Gibeá e Raabe são exemplos de pessoas que arriscaram suas vidas e a de seus queridos para proteger hóspedes (Gn 19.1-22, Jz 19.22-26 e Jz 2.1-24 respectivamente). Israel deveria, conforme a Lei, agir com hospitalidade para com o estrangeiro porque também já estivera em terra alheia – “Amai, pois, o estrangeiro, porque fostes estrangeiros na terra do Egito” (Dt 10.19; semelhantemente em Ex 22.21 e Lv 19.33-34).

A hospitalidade não era algo devido apenas a estrangeiros que precisavam de ajuda, também era algo exercido para com alguém com quem se fazia uma aliança, como no caso de banquete que Isaque deu a Abimeleque (Gn 26.26-35). Também era dever receber bem os irmãos que faziam parte do povo de Deus: Abigail, agindo de forma hospitaleira, aplacou a ira de Davi (com quem casou-se depois) contra Nabal, israelita que negou agir com hospitalidade para com o filho de Jessé e seus homens, conforme 1Samuel 25. Neemias hospedou muita gente, com grandes custos financeiros para si ao invés de viver dos impostos deles, durante a reconstrução dos muros de Jerusalém (Ne 5.13-19).

Deus, como Criador e Senhor do universo, é o anfitrião por excelência. Como mostra o Salmo 104, Ele rege toda a criação e é quem supre os seres criados de proteção, alimento, etc. Quando se referindo à Terra Prometida, Deus lembra que esse lugar que mana leite e mel pertence a Ele e que Israel é um hóspede: “a terra é minha; pois vós sois para mim estrangeiros e peregrinos” (Lv 25.23). Israel é punido por ser mal-agradecido diante do fato de Deus, mesmo no deserto, ser um anfitrião que os trata com amor e cuidado: “Falaram contra Deus, dizendo: Pode, acaso, Deus preparar-nos mesa no deserto?” (Sl 78.19).

O futuro escatológico do povo de Deus é descrito algumas vezes como um esplendido banquete real ou nupcial. Essa figura aparece tanto no AT quanto no NT (Is 25, Mt 25.1-13 e Lc 14.15-24). A salvação é dos que entram nessa gloriosa festa e a perdição significa ficar fora da celebração, ser jogado no lugar onde haverá “choro e ranger de dentes” (Mt 8.12).

Os crentes do NT (e de hoje) tinham que continuar sendo hospitaleiros (Rm 12.13, Hb 13.2, 1Pe 4.9 e 1Tm 5.10), principalmente os presbíteros (1Tm 3.2 e Tt 1.8). Tanto o Senhor Jesus quanto a igreja nascente usaram da hospitalidade dos crentes (Mc 1.29, Mt 26.6, Lc 10.38-42, Jo 12.1-2, At 2.46, At 10.6, At 16.15 e Fm 22). As casas dos irmãos e seus recursos eram necessários para receber os missionários itinerantes e também porque as reuniões durante a semana eram nas casas. Essa hospitalidade ainda hoje é importante no contexto de pequenos grupos e na hospedagem de pregadores ou outros irmãos visitantes. No Dia do Juízo, Jesus cobrará de cada um de nós se o hospedamos quando Ele nos apareceu através de seus servos, principalmente os mais necessitados – seus “pequeninos irmãos” (Mt 25.31-46).

Mais uma vez, aquilo que o Deus Trino é em sua transcendência, Cristo o é de forma encarnada, o é como cumprimento de nossas esperanças mais profundas, o é pertinho da gente. Jesus é o anfitrião que se humilha lavando os pés de seus convidados para mostrar que é o Rei que nos recebe assumindo o papel do servo mais humilde (Jo 13.12-20). Ele é o Noivo que não vê a Noiva como serviçal, mas que a trata com muito amor e carinho, que a serve a ponto de morrer por ela (Ef 5.22-33).

Portanto, no Salmo 23, Davi é tão bem recebido na tenda de YHWH (ainda não havia o Templo) que decide morar nessa casa para sempre. Ele sabia que, depois de deixar o tabernáculos, dois servos do SENHOR o acompanhariam em suas peregrinações até que voltasse ao tabernáculo, isto é, Davi sabia que Bondade e Misericórdia, companhias constantes enviada por Deus, estariam sempre presentes em sua vida.

Hoje, o templo de Deus é a igreja, tanto espalhada quanto reunida. Mas é bom lembrar que a festa hoje se dá principalmente quando estamos reunidos em torno da Mesa do Senhor, que é apenas uma preparação para o dia glorioso quando poderemos dizer “Aleluia! Pois reina o Senhor, nosso Deus, o Todo-Poderoso. Alegremo-nos, exultemos e demos-lhe a glória, porque são chegadas as bodas do Cordeiro” (Ap 19.6-7).

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