Imagem de Santo Antônio no congelador de alguém encalhado.
“Por que me chamais Senhor, Senhor, e não fazeis o que vos mando?” Lucas 6:46.

Embora o Brasil seja um país com fortes raízes cristãs católicas e fortemente influenciado, nas últimas décadas, pelos movimentos evangélico e neopentecostal, continua sendo um país marcadamente contaminado por pecados nas áreas da ética, da política, da moral, da economia, da preservação ambiental etc.
Um dos fatores que contribuiu para que a religiosidade brasileira, inclusive a protestante, fosse pouco marcada por um rigor ético-moral de suas práticas cotidianas, cidadãs e políticas foi o seu perfil psico-social chamado por Sérgio Buarque de Holanda de Homem cordial.[1]A sua cordialidade não se limita, segundo o autor, ao fato dele ser hospitaleiro e ter facilidade em fazer novas amizades, mas tem a ver com o fato dele ser mais marcado, em suas escolhas, por ouvir a voz do coração (corde, em latim) do que ouvir a razão.
Como pontua Holanda, o homem cordial é apegado a uma religiosidade pouco rígida, pouco formal, individualista e que gosta de ter uma relação com a divindade que chega a beirar a falta de reverência. Isso desde suas origens católicas ibéricas, com adoração aos santos como se estes fossem quase amigos ou empregados, dando a eles inclusive castigos, podendo-se citar, por exemplo, colocar Santo Antônio dentro da geladeira e/ou de cabeça para baixo.
A falta de respeito a Deus, como bem apontou o pai de Chico Buarque, também gerou um Cristianismo com pouca relação, desde a Colônia, entre a religiosidade exercida nas igrejas, muitas vezes meramente superficial e dissimulada, e a implicação dessa religiosidade nas escolhas do dia-a-dia, na forma de lidar com os negócios, com a família etc. Isso fez com que o próprio Holanda julgasse difícil a proliferação, no Brasil, das religiosidades metodista e puritana, tanto por causa da questão de pouco apreço pelo uso da razão e do desprezo pela idéia de educação como algo com valor em si, quanto pela dissociação entre vida religiosa e vida cotidiana. Parece que ele acertou.
Infelizmente, não é só o Brasil cristianizado que dá pouca atenção ao que nosso Senhor ensinou. A Igreja Brasileira também tem deixado de viver o pleno Senhorio de Cristo em sua vida, fazendo com que sejamos uma igreja que é como sal sem gosto ou luz debaixo de vasilha (Mt 5:13-16 e Lc 14:34-35 e 11:33).
Mas a situação não é irreversível. Esqueçamos da Síndrome de Gabriela, deixemos a falsa idéia de que somos assim e pronto. Se o jeito do Brasileiro é o jeitinho, lembremo-nos de que Evangelho é para mudar jeito, principalmente porque nascemos de novo (Jo 3:1-15) e as coisas velhas já passaram e tudo se fez novo (2Co 5:17).
É incoerente o cristão, alguém que se diz discípulo, viver à revelia da autoridade do nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo. Tudo pertence a Cristo (Cl 1:16). Devemos viver o verdadeiro discipulado, pois “Fé não é obediência, mas como obediência não é obediência sem fé, fé não é fé sem obediência”.[2]Como disse Tiago: “a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tg 2:17). É imperativo que vivamos tendo em mente que o Jesus que nos salvou o fez com precioso sangue, fazendo com que a graça seja, usando a expressão de Dietrich Bonhoeffer, preciosa. Devemos, então, fugir da graça barata, que é:
A pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina comunitária, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, […] a graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado.[3]


[1] HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
[2] BARTH, Karl.  Chamado ao discipulado. São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 25.
[3] BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: Sinodal, 2004, p. 10.

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