John Holcroft. Imagem retirada de http://www.johnholcroft.com/portfolio18.html.
Ó príncipes, meus irmãos, 

Arre, estou farto de semideuses! 
Onde é que há gente no mundo? 

(Álvaro de Campos, Poema em linha reta). 

Fernando Pessoa possuía heterônimos, que, grosso modo, eram personagens criados por ele e que tinham, cada um, particularidades de estilo e cosmovisão ao escreverem seus “próprios” poemas. O poema da epígrafe desse texto pertence a um deles.

Esse poema, escrito na primeira metade do século passado, parece uma profecia sobre as redes sociais. Dando uma olhadinha rápida no que a maioria das pessoas publica nelas, é comum pensar, concordando com o poeta: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”.
Pegue uma panela chamada, para fazer propaganda de uma só, Facebook e coloque um pouco do desejo de cada um de nós de comparar-se com outros e acrescente uma boa quantidade de sociedade competitiva. Depois de um tempo, ponha a ilusão contemporânea de que vamos realizar todos os nossos sonhos e de que cada um de nós é o centro do universo, uma espécie de protagonista da História da Humanidade. O orgulho é a gosto. Depois de muitos dias cozinhando em nosso coração, voilà, temos um prato frio chamado Frustração. 
Temos, principalmente quem nasceu entre 1975 e 1995, sonhos grandiosos, porque crescemos ouvindo Xuxa cantar que “tudo pode ser, se quiser será. O sonho sempre vem pra quem sonhar. Tudo pode ser, só basta acreditar” (Lua de Cristal). Esse foi praticamente um dos primeiros grandes sucessos da Teologia da Prosperidade, pois afirma sem hesitação nenhuma que “tudo que eu quiser o cara lá de cima vai me dar”. 
Quando olhamos para as gabolices dos outros na internet e olhamos para nossas vidas do lado de cá das telinhas negras, verdadeiros espelhos nos quais pensamos estar quem somos ou nos quais projetamos quem queremos ser, percebemos uma disparidade enorme. Cada um, do fundo de sua frustração, pensa ser a única pessoa das redes sociais que é gente. 
Nossa frustração nos leva a um de dois caminhos. Por um lado, fingimos habitar o Olimpo; por outro, ficamos reclamando de tudo e atacamos todos. Vanglória ou inveja. Vanglória não é mais falsa glória, afinal, “que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?” (1Coríntios 4.7). Glória vazia mudou de nome, agora atende por Marketing Pessoal. Inveja tem apelido: recalque, mas, quando está em nós, gostamos de chamar de senso crítico. 
Ledo engano pensar que mudar o nome dos vícios transforma-os em virtudes. Agimos como tolos que se julgam espertos, como certo rabino que, doido para comer carne de porco, chegou na bodega e, apontando para uma peça de presunto, disse ao vendedor: “dei-me um quilo daquele salmão”, ao que ouviu como resposta do bodegueiro: “aquilo é presunto, não salmão”. Irado, o rabino respondeu: “eu pedi um quilo, não perguntei o nome”. 
Paulo gostava de dar nomes aos bois. Em Gálatas 5.25-26, ele ensina que, se somos de Deus (isto é, se somos selados e orientados pelo Espírito Santo), devemos lutar contra a vanglória que nos espreita; que é importante que nos empenhemos, inclusive nas redes sociais, para não vivermos “provocando uns aos outros, tendo inveja uns dos outros”. Em outro lugar, Filipenses 2.3-11, ele nos exorta a seguirmos o exemplo de Cristo, que, mesmo sendo Deus, tornou-se servo e foi obediente até a morte, morte de cruz, morte degradante e aplicada pelos romanos para humilhar. 
Portanto, quando formos colocar algo nas redes sociais, tomemos cuidados para que elas não nos peguem. Sejamos vigilantes, mesmo que virtualmente, para não sermos pegos pecando na rede. Lembremos das palavras do apóstolo: “nada façais por […] vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo” (Filipenses 2:3).

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