O De profundis, como é conhecido o Salmo 130 por causa do seu início na Vulgata, era o salmo preferido de Matinho Lutero, reformador do séc. XVI.
Texto para leitura: Salmo 130
Os abismos, os vales, as fossas, as covas são imagens recorrentes para falar das experiências difíceis que atravessamos. Tais situações não são estranhas aos escritores dos Salmos, que se valem dessa linguagem para expressar suas dificuldades.
Nesse salmo, o poeta vive uma situação que ele define como “profundezas”. Sua experiência inclui quatro aspectos:
1. MERGULHADO EM ANGÚSTIAS, ELE CLAMA (v. 1-2) –
As profundezas em que se encontra sugerem um estado de ânimo de alguém que foi lançado em um poço, de onde tem uma visão limitada. Seu horizonte é restrito. Também sugere um lugar apertado, em que os movimentos estão contidos. As sensações que brotam são de sufoco, asfixia, impotência. A situação destrói toda auto-suficiência; é preciso buscar o socorro fora. E é exatamente isso que o salmista faz: clama ao SENHOR.
Seu clamor revela sua expectativa de ser ouvido. Ele está nas profundezas e lá exerce sua fé. Está angustiado, mas também confiante de que Deus atentará para sua súplica.
Sentir-se angustiado diante de um quadro real não é evidência de falta de fé. As circunstâncias da vida vêm sobre nós e algumas são de tal ordem que podem nos prostrar em profunda angústia. Pode ser uma doença grave, a perda do emprego ou a morte súbita de alguém muito próximo. O apóstolo Paulo, comentando a fragilidade humana, admite que podemos até nos sentir abatidos, mas, considerando a realidade de Deus, sabemos que não seremos destruídos (II Co 4.9).
2. CHEIO DE OUSADIA, ELE REIVINDICA (v. 3-4) –
No primeiro momento nada se diz quanto às razões que levaram o salmista às profundezas. Agora temos indicações de que tal estado é conseqüência de pecado e da culpa que o acompanha. A súplica que esperávamos ouvir vem disfarçada em uma ousada pergunta.
Na condição de Soberano, o SENHOR pode registrar os pecados. E, se ele tratasse os homens de acordo com o que eles fazem, ninguém escaparia (v. 3). Ninguém subsiste, em pecado, diante da realidade divina. Porém o salmista está confiante que, ao invés de contabilizar os pecados dos homens, o SENHOR apresenta-se como um Deus que perdoa. E é isso que ele ousadamente reivindica para si: o perdão divino. Nada pode apresentar em seu favor. A única coisa que tem são os seus pecados; esses são inegáveis. A única base de sua reivindicação é o “amor leal” do SENHOR (v. 7).
Na perspectiva do salmista, a manifestação do perdão desperta no homem o temor a Deus. Comumente somos levados a pensar no temor de Deus em termos do seu poder para castigar e destruir. O temor, nesse caso, se associa ao medo, ao pavor, ao terror. O temor que decorre da experiência do perdão do SENHOR é a impressão direta que faz o homem estremecer por sentir que está diante de um Deus inescrutável, aquele que ultrapassa todas as categorias da compreensão humana. A vivência na presença de Deus mostra essa estranha combinação de confiança diante de sua acessibilidade (v. 2) e de temor em sua incompreensibilidade (v. 4).
3. TOMADO POR ÂNSIAS, ELE ESPERA (v. 5-6) –
A expectativa do salmista de ser perdoado fundamenta-se na palavra do SENHOR. Deus se revela. Há uma palavra sua a ser escutada. Não nos é dito qual a mensagem que serve de base à esperança do poeta. Podemos pensar naquilo que o SENHOR revelou por intermédio do profeta: “Que o ímpio abandone o seu caminho, e o homem mau, os seus pensamentos. Volte-se ele para o SENHOR, que terá misericórdia dele; volte-se para o nosso Deus, pois ele dá de bom grado o seu perdão.” (Is 55.7).
Primeiramente o salmista apóia-se no SENHOR para ter esperança; a palavra dele é a base de suas expectativas (Espero no SENHOR, v. 5). Depois ele se mostra ardentemente desejoso da pessoa mesma de Deus (Espero pelo SENHOR, v. 6). Somente aquela compreensão anterior do temor (v. 4) é que torna inteligível esse desejo intenso do versículo 6: o escritor anseia pelo próprio SENHOR, e não somente pelo escape da punição do seu pecado. O horror, o medo, o terror levariam-no à fuga e não ao desejo de encontrar-se com Deus.
Seu desejo intenso de estar na presença de Deus se compara à ânsia das sentinelas noturnas. Para elas, longa é a noite. Quanto anseiam ver a claridade do dia! Nas trevas da noite não se tem discernimento das coisas. As conseqüências naturais são o medo, a insegurança, a ansiedade.
O pecado causara uma separação, agora o salmista é dominado pelo intenso desejo de voltar à presença de Deus.
4. PLENO DE CERTEZA, ELE EXORTA (v. 7-8) –
A experiência do caráter de Deus, válida para o indivíduo, estende-se à vida comunitária.
O homem, que nada tem para apresentar a seu favor, é alvo do perdão de Deus. a remissão dos pecados depende exclusivamente de Deus e é resultado do seu amor leal. Convicto disso, o salmista estimula o povo a ter esperança nesse amor leal e na redenção divina. Essa salvação tem um caráter radical: ela é plena (v. 7) e significa a redenção de todas as culpas (v. 8). O que cabe ao povo é confiar nesse Deus amoroso.

Para pensar – “Pode ser que a noite pareça infinda, mas a manhã é certa, e seu tempo é determinado.” Derek Kidner.

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