Reprodução do falso papiro com referência à 'mulher de Jesus'
No último mês, o jornal A Folha de São Paulo noticiou que a historiadora Karen King teve que reconhecer publicamente que provavelmente foi enganada. Você, leitor, deve estar se perguntando: “quem raio é essa mulher?”. Pois bem, passo a explicar agora.

Em setembro de 2012, Karen King, que estuda o Cristianismo Antigo e é professora de Harvard, veio a público apresentar um pedaço de papiro (imagem acima) no qual Jesus diz ter uma esposa. Esse documento foi apelidado de O Evangelho da Mulher de Jesus.

O assunto foi matéria na imprensa internacional, sendo pauta, por exemplo, no New York Times, Le Monde, El Pais, Corriere dela Sera, Folha, G1, Veja etc. Segundo as notícias, o pedaço de papiro é do IV século e trata-se de uma cópia de um texto escrito por volta do ano 150 d.C.
Abro aqui um parêntese sobre o Gnosticismo, heresia que influenciou muitos evangelhos apócrifos escritos a partir do II Séc. Essa heresia já dava seus passos iniciais no tempo do Novo Testamento, como evidenciam escritos joaninos e paulinos, mas ganhou forma mesmo só depois da era apostólica.

Dentre as tolices gnósticas, podemos citar a negação da encarnação de Jesus; a negação da ressurreição como um evento histórico e físico; o desprezo pelo Antigo Testamento e pela visão de Deus nele; e uma visão antinomista do Cristianismo, ou seja, um entendimento amoral da vida cristã (talvez os nicolaítas de Apocalipse).

Esse aspecto libertino do Gnosticismo se baseia na idéia de que, já que a matéria é má, não tem porquê se preocupar com, por exemplo, a castidade, uma vez que o pecado realizado pelo corpo não pode macular a alma, ou seja, “o que o corpo faz a alma perdoa“, cantariam os pagodeiros hoje.

Gnosticismo vem da palavra grega gnose, que significa conhecimento. Os gnósticos também ensinam que Cristo passou ensinamentos secretos para alguns discípulos (Maria Madalena, por exemplo). Apenas alguns privilegiados são iniciados nesses mistérios e, assim, têm acesso a esse conhecimento especial.

Essa heresia está presente ainda hoje, e influencia a Maçonaria, Rosa Cruz (Fernando Pessoa, um dos poetas que mais gosto, era dessa ordem e se declarava como cristão gnóstico), diversas formas de esoterismo, as obras de Dan Brown, a cabala (versão judaica do Gnosticismo e que tem Madona como uma praticante), o filme Noé (2014) e por aí vai…
Fechando esse parêntese sobre o Gnosticismo e voltando ao tal do Evangelho da Mulher de Jesus, recentemente, Karen King teve que vir a público novamente, dessa vez para reconhecer, como dito no início, que provavelmente foi enganada. A professora, apesar de doutora, agiu como uma novata ao não analisar corretamente suas fontes.

A historiadora obteve o pedaço de papiro de Walter Fritz, um alemão radicado nos EUA. A história dele é cabulosa. Ele afirma ter sido abusado por um padre; defende que os evangelhos apócrifos são mais confiáveis do que os canônicos para sabermos quem é Jesus, o que é uma tolice no mundo acadêmico; e é casado com uma mulher que escreveu um livro que, segundo ela mesma, lhe foi revelado por anjos. Fritz manteve, com essa esposa, um site pornô em que ela fazia sexo com outros homens enquanto ele filmava. Sentiu, leitor, a catinga de Gnosticismo?
Walter Fritz ainda mentiu sobre o próprio conhecimento a respeito da antiguidade, já que omitiu da “dôtora” que é mestre em egiptologia pela Universidade Livre de Berlim, ou seja, alguém capaz de forjar documentos antigos.

Mas você pode estar se perguntando, ansioso leitor: “Pastor, e se o documento fosse verdadeiro, mudaria alguma coisa?” Repondo citando a resposta que o Rev. Augustus Nicodemus deu em 2012, quando ainda não se sabia da farsa:

Qual, então, o valor real de um fragmento de 9 linhas supostamente do séc. II sugerindo que Jesus tinha uma esposa, se comparado com os 5 mil manuscritos do Novo Testamento, datados do séc. II em diante, e que omitem qualquer referência ao fato? Mais um exemplo de notícia sensacionalista tipo Código da Vinci”.

Meus irmãos, esse rebuliço todo foi uma prova do que se diz aqui no Nordeste, a saber, “muita farofa é sinal de pouca carne”, isto é, se fez muito barulho por nada.

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